Normalmente as pessoas atestam em dizer que todo ARTISTA tem um parafuso a menos ou um parafuso a mais. Eu como artista já escutei vários comentários que são extraídos de famosos pintores do tipo: o Holandês Vincent Van Gogh, após briga com seu melhor amigo Francês, o artista Paul Gauguin, veio a cortar sua orelha, mas dizem que o acontecido foi uma experiência artística: “coisa de louco”.
O que diriam sobre o múltiplo artista Agamenom Amorim numa pesquisa popular? Lógico que seria uma enxurrada de classificações do tipo:
-Muito doido! – Todos os parafusos dele são fora do lugar! – Aquele cara fuma um baseado da porra! – Hum! Com aquela agitação, acho que ele cheira! – Ele toma chá de cogumelo! – Um excelente artista, só que é louco! – Aquele homem é de outro planeta! – O homem é de jogar pedra! – Por fim, um comentário que a mim interessa, pois farei um relato: “Aquele homem não é certo não; não sei como é que ele mora num lugar cheio de tranqueira? E outra, a casa dele é cheia de cobras. Deus me livre!”
Conheci Agamenom na década de 80, quando ainda jovem, ele estava a pintar umas paisagens no Night Club em minha cidade São Desidério. Não sei ao certo quantos painéis ele pintou, acredito que uns cinco bem grande no salão de eventos do proprietário Tonico. Eu me lembro de uma paisagem desértica, um semiárido com vários mandacarus, xique-xiques e cabeças de frade, oriundos de região assolada pela seca e algumas cabeças de animais mortos de um clima hostil representados pelas suas cores quentes. Enquanto ele fazia suas pinturas, eu estava fazendo um barrado de duas cores (filetes) contornando as quatro paredes abaixo dos painéis daquele recém-conhecido artista. Naquela época, eu deveria ter uns 15 ou 16 anos. Depois desse encontro não mais o vi, pois fui para Goiânia e ele, provavelmente, Salvador onde conheceu o naturalista fotógrafo, Pierre Verger.
No ano 2000, já estabelecido em Barreiras-BA, eu tive contato por diversas vezes com Agá. Artista na essência da palavra; “O cara que vive a arte e não sobrevive da arte”. Sempre gostei dos trabalhos dele. Adquiri algumas de suas obras.
Nas minhas andanças pela natureza, eu o tenho como parceiro, pois além do seu ofício de pintor, é também um conhecedor da fauna e flora da nossa região. Aprendi com ele a identificar algumas plantas e répteis pelas matas, riachos e beira de rios, respeitando o meio ambiente e o meu limite, mas ele vai além disso. Não se contenta em apenas apreciar o animal: venenoso, letal ou não. Tem que levá-lo para casa e eu, não só discordo como também não o deixo levar.
Um dia levei Agá para curtir a minha primeira chácara e num determinado momento ele saiu, de repente retorna com uma jiboia. Não gostei, mas já que ele estava com ela, rapidamente peguei a minha câmera digital e fotografei-os: ele com a cobra nas duas mãos, ela em posição de dar o bote. Ele queria que as pessoas que ali estavam pegassem a cobra colocasse no pescoço e eu não concordei com a ideia, logo ela cravou as presas em seu braço e ele não se incomodou com isso, apenas nos criticou: – vocês têm o sangue ruim, deixou-a nervosa. Logo fi-lo devolver o animal de onde o tirou. Só que seu amor pelos répteis é uma “coisa de louco” como dizem as pessoas que o conhecem.
Dias depois fui à casa de Dona Teté, mãe de Agamenom e ela me chamou a atenção: – Meu filho, não deixe Agamenom trazer cobra aqui pra casa. Fiquei surpreso, afirmando que não o deixei trazer cobra alguma, nem permito que ele faça isso, trazendo da minha chácara ou de qualquer lugar. Dona Teté me contou do susto que tomou e quase caiu dura ao chão, aquela senhora de uns 80 anos ao ver a cobra esticada na sala. Ela descreveu o tipo da cobra, suas malhas, tamanho, etc. Exatamente a cobra que eu pedi para que ele a devolvesse para seu lugar de onde veio. Mas ele é muito esperto; trouxe a jiboia não sei de que jeito, dentro do meu carro, junto com minha esposa e meu casal de filhos pequeninos. Se esse animal perambulasse dentro do carro ou se ao menos a gente desconfiasse que ele levava consigo, o animal rastejante; o que poderia acontecer? Bom nem imaginar.
Semanas depois, à noite, sábado, como de costume sempre vou ao Bar do Vieira tomar uma cervejinha, bater papo com amigos e ouvir boa música. Lá adiante vejo Agamenom andando forçadamente com auxílio de uma moleta; gritei pelo seu nome, ele parou e eu fui saber o que lhe aconteceu – uma de suas pernas estava bastante inchada, nunca tinha visto algo igual. Ele me contou que foi tirar umas varas de bambu para fazer peças de artesanato lá no riacho Ribeirão que se localiza entre o bairro de mesmo nome e o bairro Morada da Lua, de repente ele viu passar uma bocarra – cobra de alta periculosidade, ele tenta pegar a víbora e não consegue, pois ela deslisou para dentro de uma loca no chão, certamente seu ninho. Ele ficou enfurecido porque ela se entocou não dando chance de ser capturada. O doido não hesitou em meter o pé no buraco da peçonhenta; talvez para maltratá-la, não sei. Resultado: o animal não apenas picou; mordeu de verdade que ao puxar a perna de volta ela veio junta, presa ao calcanhar pelas presas. Agamenom ficou envenenado de raiva, pegou a víbora e a matou à dentadas.
Noutra ocasião chamei Agá pra irmos à chácara fazer uns baixo-relevo num barranco próximo ao rio numa pequena enseada; fizemos o trabalho até o final do dia. Dia seguinte ele me chama próximo a um campinho de futebol que ainda estava por terminar.
– Ê veinho, vem cá, veja o que tenho nesse embornal. Abre aí!
— Não estou doido não Agamenom! “Não meto a mão em boca de botija”, pincipalmente a dele. Ele mesmo arregaçou a boca do embornal e mostrou-me duas cobras corais.
–Rapaz, que fascínio é este por víboras tão perigosas? Deixe as bichinhas lá no lugar delas
– Veinho, eu sou mais as cobras doque gente!
Começa a discussão:
–Se você realmente gosta dos animais, então deixa-os no local de onde você não deveria tirá-los. Mas não adianta falar.
Meio a discussão, vem descendo a ladeira, o Sr.Hernesto – ex-proprietário que vendeu para mim aquela área de terra. Vendo Agamenom com aquela capanga pendurada aos ombros, foi logo perguntando:
– Uai doido, vai pilotar?
–Eu não carrego pilotas! Carrego minhas amigas!
Sem entender, Hernesto encosta pra ver o que tem dentro da capanga e o desmiolado mete a mão na capanga e puxa duas corais levando-as em sua direção. Hernesto, um senhor de mais ou menos 68 anos, tomou um susto daqueles, quase caiu, empalideceu, ficou sem ação. A única voz dele foi a do grito de medo. O homem demorou a se recompor. Fiquei puto da vida com o Agá pela brincadeira de mal gosto e também pelo mal trato aos animais. Fi-lo devolver à natureza.
Há mais ou menos dois anos o professor Pádua me convidou para ir à sua casa que também era um(uma) BARTECA – bar e biblioteca. Estávamos a conversar em volta de uma das mesas do ambiente – eu sentado de um lado e o professor do outro, quando repentinamente chega e bate na grade de proteção da casa, o artista Agamenom Amorim. Pensei: mais um para trocarmos ideias, falar de arte; chegou ao lugar certo. Pádua se levanta e vai pegar as chaves dos cadeados e logo percebemos que o visitante estava meio embriagado, pois quando está naquela situação cumprimenta seus amigos com a palavra “BURRO”.
– Abre aqui seu burro! Pádua abriu e ele entrou.
Senta aí velho! Gentileza do professor, enquanto se acomoda. Agamenom ainda de pé, pega a cobra coral de mais ou menos 70 centímetros que estava sobre sua cabeça protegida pela boina e a víbora desliza pelo seu braço sem picá-lo, coloca-a sobre a mesa. Pádua se afasta por questão de segurança e eu como sempre o bronqueei.
Brada o domador de serpentes: – Seus burros! Que mal faz um animal desse?
O exibicionismo dele não para por aí, apesar das reclamações. Ele pega a serpente e ameaça coloca-la na boca. Aí o professor já achou interessante, apesar do perigo; correu foi lá na sala de tv, pegou sua câmera fotográfica e o tripé, montou frente ao encantador de serpentes e começou a filmar aquelas loucuras. Enfiou a cobra na boca, começando pela cauda, foi colocando e ela sumindo até que ficou apenas a cabeça dela do lado de fora da boca do Agá, retirou e colocou novamente da mesma maneira anterior. Só que da última vez colocada na boca, acredito que ele quiz conversar ou respirar ou sem querer ele a pressionou com uns pinos de implante dentário que tinha nas gengivas. A serpente pregou as presas em seu nariz. Pensei: a brincadeira virou tragédia! Ele retirou a cobra da boca e ela continuou grudada em sua venta. O sangue desceu. Ficou brabo comigo e com o professor. – Seus burros! Vocês a deixaram nervosa. Revoltado, botou a cobra de volta na boina, colocou na cabeça e foi-se embora.
Ficamos muito preocupados com o que poderia acontecer; ao sair da residência do Professor Pádua, passei frente à casa do Agá que faz fundos com a Barteca, não vi jeito dele estar por ali, fui embora. Antes, perguntei para alguns vizinhos dele se sabiam se a cobra era venenosa ou não. Disseram que não, porque durante o dia ele estava com a coral oferecendo a um e outro para que a pegasse, pois era mansa, só que ninguém se atrevia. Não por isso quer dizer que não tem peçonha. Ficou a dúvida.
Vi Agamenom uma semana depois, não porque eu não tenha procurado antes. Perguntei se ele não teve problemas de saúde, sequelas. E a cobra? Quanto a cobra não lembro da resposta, mas ele me contou que sua cara ficou dormente, os olhos não abriam de tão inchados que ficaram. Para enxergar, tinha que com auxílio dos dedos puxar para cima e para baixo as partes envoltas dos olhos.
De uma coisa tenho certeza: do veneno de cobra ele não morre , mas mata seus amigos e parentes de susto.
*Inácio Cordeiro
Escritor e artista plástico
Foto de CAPA – Reprodução