Não é comum esperar um voo sentado embaixo de uma árvore ao ar livre. Mas é assim no aeroporto de Barreiras. O pequeno terminal, sem ar-condicionado e com telhas antigas de cerâmica, tem uma lanchonete simples com mesas ao ar livre como sala de espera. Mas basta prestar atenção nas conversas ao redor para ver que a simplicidade do local está longe de significar pobreza. Ali, sentados em mesas dobráveis de madeira, empresários do agro ligam seus notebooks de ponta para fazer contas, analisam relatórios e falam sobre seus negócios, que envolvem milhões de reais.
A cidade foi eleita a melhor para fazer negócios na agropecuária, segundo ranking da consultoria Urban Systems, publicado com exclusividade pela EXAME. Entre os pontos de destaque, Barreiras teve neste ano uma alta de 36% na exportação de produtos agropecuários, o que representa 302.000 toneladas, e a cidade tem uma parcela maior de trabalhadores do agro que ganham acima de cinco salários mínimos, na comparação com outros municípios.
Com 159.000 habitantes, a cidade viveu um boom nos últimos anos e se consolidou como “capital do Oeste”, onde fazendeiros da região gastam parte de seus ganhos. Pelas ruas, se espalham lojas de roupas, algumas de grifes, restaurantes variados e padarias elegantes. Elas dividem as calçadas com muitas clínicas, de oftalmologia a botox. A cidade ainda é sede de várias sucursais de órgãos federais, como o DNIT e a Justiça Federal, e de escolas, o que atrai muitos visitantes de cidades vizinhas todos os dias e gera um pequeno engarrafamento nos horários de pico nos acessos à cidade.
“Praticamente todos os pecuaristas da região moram em Barreiras, apesar de as atividades deles ficarem nos municípios próximos”, diz Davi Schmidt, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Barreiras.
O mercado imobiliário vive um momento de forte alta, com vários prédios subindo entre as casas, com variedade e preços que lembram os de São Paulo. Há desde prédios com apartamentos studio até moradias de 400 metros quadrados, que praticamente dobraram de preço na última década e são vendidos rapidamente após o lançamento, seja como moradia ou investimento.
“Houve uma grande migração do pessoal do Sul para o Oeste da Bahia a partir dos anos 1980, e hoje os filhos deles estão na idade entre 25 e 40 anos. Estamos produzindo imóveis para essa segunda geração de produtores”, conta Henrique Leão, CEO da construtora Solare, que movimenta atualmente 500 milhões de reais em VGV (Volume geral de vendas) e tem nove canteiros de obra na região.
“Hoje em dia a expansão das áreas agricultáveis do Oeste da Bahia está vindo na direção do rio São Francisco, e isso vai beneficiar Barreiras, que receberá mais produtores”, diz Leão.
Outra vantagem de Barreiras é a logística. Além de ter o único aeroporto comercial da região, a cidade é também um entroncamento de três rodovias federais e duas estaduais. Nos últimos anos, o avanço foi sentido literalmente nas ruas: o total de vias asfaltadas superou 200 km e está perto dos 100% da malha urbana. Houve também melhorias como a inauguração de novas escolas e hospitais, pagas com o aumento da arrecadação de impostos e uma melhor gestão.
“Tínhamos uma inadimplência de 70% do IPTU, e hoje é de 15%. As pessoas passaram a pagar os impostos porque viram que estavam tendo retorno. E a atração de empresas aumentou a arrecadação com ICMS e ISS”, diz Zito Barbosa, prefeito de Barreiras, que assumiu a cidade em 2017 e está no segundo mandato.
O avanço agrícola na região começou a partir dos anos 1970, quando novas tecnologias favoreceram as plantações no Oeste da Bahia. Luiz Carlos Bergamaschi, presidente da Abapa (Associação Baiana dos Produtores de Algodão), foi um dos pioneiros. Ele veio de Santa Catarina com o pai, nos anos 1980, e conta que a região, por ser plana, favoreceu a adoção da mecanização. O avanço de novas técnicas, como usar mais calcário para corrigir a acidez do solo, fizeram a produção deslanchar a partir dos anos 1990, com soja e algodão. Hoje, a região também tem muitos negócios envolvendo pecuária, feijão, café e cacau.
No entanto, não foi um processo fácil. “Muitos dos produtores vieram, mas nem todos prosperaram. O clima tem irregularidade. As pessoas que ficaram se adaptaram à tecnologia, à natureza e ao clima. E os filhos dessas pessoas vivenciaram isso, foram estudar e estão retornando. Eles têm o legado dos pais, mas agora são mais bem qualificados”, diz Bergamaschi. Muitas vezes, a capacitação é feita ali mesmo. Um dos avanços foi a expansão das universidades locais, como a criação da Ufob (Universidade Federal do Oeste da Bahia), em 2013, e um campus da Uneb (Universidade do Estado da Bahia), que oferecem cursos variados, como engenharia agronômica, direito e medicina. As universidades buscam se aproximar dos produtores para criar um ecossistema de inovação.
Prédios novos em Barreiras: cidade vive boom de novas construções
“Aluno nosso já tem startup. Nosso projeto aqui na universidade é impulsionar um parque tecnológico. Temos profissionais altamente qualificados, mas quem determina para onde vai a tecnologia é o setor produtivo”, diz Erick Cajavilca, superintendente de Inovação da Ufob.
Ele recebeu a reportagem em um laboratório que reúne vários modelos de impressoras 3D, onde alunos desenvolvem projetos como tentar criar um tipo de embalagem que preserve melhor as frutas durante o transporte. As mesas e cadeiras dali foram compradas com dinheiro de um fundo mantido pelos produtores locais, que se beneficiam de avanços técnicos como a melhora na irrigação.
“Há 15 anos, você tinha um pivô que jogava água a quatro metros de altura do solo, e perdia metade da água por evaporação antes de chegar ao solo. Hoje temos pivôs bem mais eficientes, técnicas de tratamento do solo e de sementes que fazem a região ser altamente produtiva”, diz Cavajilca.
Para o futuro, a região caminha em duas direções. Uma delas é o avanço de indústrias ligadas ao agro, como a produção de fios de algodão e de laticínios, embora o suprimento de energia deixe a desejar. “Quando a gente tiver uma malha de energia de qualidade, a explosão do segundo setor, da indústria, aí ninguém segura”, afirma Odacil Ranzi, presidente da Aiba (Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia).
Outra expectativa é a chegada da ferrovia Fiol, que conectará Barreiras ao porto de Ilhéus e à ferrovia Norte-Sul, em Tocantins, abrindo novos caminhos para escoar a produção. O trecho 1 da Fiol foi leiloado em 2021, e a parte 2, que chegará a Barreiras, ainda não tem data prevista para a concessão.
Daqui a alguns anos, os empresários da área poderão frequentar terminais modernos para ver a produção embarcar. Mas, enquanto isso, não param para esperar: grupos de fazendeiros se uniram para asfaltar estradas vicinais, com os custos rateados entre eles e, na falta de um aeroporto melhor, vão tocando seus negócios na sombra das árvores antes do próximo voo decolar.
Como funciona o ranking
O ranking Melhores Cidades para Fazer Negócios é um estudo feito pela consultoria Urban Systems, com exclusividade para a EXAME. O estudo é calculado a partir de um Índice de Qualidade Mercadológica (IQM), que aponta quais municípios oferecem melhores condições para as empresas, com base em dados de população, de fluxo de comércio, características urbanas e infraestrutura, entre outros pontos.
Na categoria Saúde, são analisados 8 indicadores, incluindo percentual de empregos no setor com média e alta remuneração, crescimento da produção da lavoura e da produção da pecuária.
Fonte//Exame