Era boa a briga entre o então (hoje ministro) governador Rui Costa e ACM Neto para ver quem mais chegava junto da população suburbana e dos bairros mais carentes. Um fazia obra numa encosta e o outro corria para fazer também. Um abria um buraco o outro abria buraco maior. O governador levava meio metro de esgoto e o prefeito picava metro e meio. Essa “guerra” de conceituação eleitoral ou eleitoreira fazia bem para a cidade, mas se esvaziou quando Bruno Reis se elegeu e Rui ficou mais preocupado em eleger aquele que se dizia ser o seu “poste”, Jerônimo, para lhe suceder. Jerônimo supreendentemente eleito governador contra ACM Neto que ficou pasmo, como muita gente também ficou, arrefeceu a contenda para ver quem fazia mais obras na capital; se governo ou prefeitura.

Abordo esse assunto por ter certeza que se não fosse a querela entre governador e prefeito em busca do voto suburbano, a situação na capital seria bem pior do que é hoje, como a ação do que se classifica como adventos ambientais, ou seja, a maluquice que está acontecendo com o tempo em todo o planeta, e, claro, Brasil e Bahia.

Foi então que com os terríveis temporais que detonaram o Rio de Janeiro e mataram mais de uma dezena, o mesmo em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, uma ministra ressuscitou um tema que estava esquecido no passado. Na verdade, ela deu novas cores a um vocábulo que caracteriza a diferença de tratamento dos governantes entres as zonas Sul e as periferias: trata-se do “racismo ambiental”.

Para que a expressão viesse à baila ressurgiu uma acusação (não achei a pesquisa e possa ser que eu não tenha sabido pesquisar direito) que as favelas e periferias são quinze vezes mais atingidas por desastres ambientais que outros bairros. Os apontadores observam não ser nada natural que isso ocorra em muitos municípios, bairros, periferias e favelas. Que esses sofram com consequências mais graves da chuva do que outros. A ministra que levantou a lebre diz que isso acontece porque uma parte da cidade, do estado, não tem a mesma condição de moradia, de saneamento, de estrutura urbana do que a outra. Ela disse mais: “Também não é natural que esses lugares tenham ali a maioria da sua população negra. Isso faz parte do que a gente chama e define de racismo ambiental e os seus efeitos nas grandes cidades”.

O termo citado, na verdade, existe desde os anos 1980. Foi primeiro usado para caracterizar o fato da degradação e catástrofes ambientais e como as enchentes, secas e contaminação impactam mais severamente o povo da periferia. Notadamente a população negra que é forçada a viver em situação de risco. Existem até estudos que revelam ser o racismo ambiental algo cada vez mais presente no cotidiano das pessoas. Elas podem até não perceber, numa síndrome de Alice, quem sabe. Mas sente no corpo e na mente e no bolso.

Não ter saneamento básico, coleta de lixo, rede de esgoto, acesso à água potável e instalação de aterros sanitários faz com que as comunidades de baixa renda – lá estão os negros e pardos – estejam suscetíveis do racismo ambiental.

Voltando à prosa inicial, este ano é ano eleitoral e quem sabe se reinicie uma nova “guerra santa” entre estado e município, cada um querendo agradar mais que o outro a periferia, a favela, a população de baixa renda. Está tendo, mas sem a velha intensidade. Tudo bem que é uma forma torta de enfrentar e mitigar o racismo ambiental. Melhor que nada.

Jolivaldo Freitas

*Escritor e jornalista. Autor do romance “A Peleja dos Zuavos Baianos Contra Dom Pedro, os Gaúchos e o Satanás e “Histórias da Bahia – Jeito Baiano”.

Comentário desabilitado.