O acaso está presente em qualquer sítio e até dizem que nada é por acaso e cria-se uma confusão. Sequer o filósofo romano Lucrécio escapou de crítica quanto a uma sua descrição clássica desse acaso absoluto. Agora se imagine só de farra, curiosidade, procurando um especialista somente para ver como anda o cérebro nestes tempos de Alzheimer, Parkinson AVCs e focos. Tempo em que a Covid deixou sequelas e atingiu de forma plena o sistema nervoso central de muita gente (conheço vários casos). Quando tive Covid sem sair de casa, pasme, dá até vontade de rir, e riria se não fosse uma sabotagem ter me protegido tanto e sido atingido por essa “maleita” que me fez enxergar dobrado, duplo, duas imagens de uma mesma imagem, algumas em 3D.

Então por acaso, sem nada sentir, nem pontada, nem tonteira e nem doideira ou doidice fiz o bendito exame e lá estava um aneurisma de bom tamanho, que não sei se tenho certeza e ninguém, nem mesmo os médicos têm tanta certeza que poderia estourar ou era só para meter medo. Não tive medo e pensei que tudo me ocorre por acaso: os filhos que tenho, as mulheres que tive, as profissões que permeiam o viver, os amigos, as viagens o advindo e presente.

Nuca que as ciganas leram assertivamente minha mão. Jamais os horóscopos ditaram meus movimentos e nem os campos magnéticos da terra. Meu coração sempre foi uma biruta de aeroporto. Do passado ensandecido é fácil saber: basta perguntar pelas esquinas.

O aneurisma estava lá pronto para dar seu bote. Ausência de causas parece ser o significado mais corriqueiro do que se classifica como acaso. Tem um porquê o acaso? Existem fenômenos sem uma razão? Lucrécio, sobre pensamento do atomista grego Demócrito que falava sobre os movimentos naturais das partículas garante o seu acaso. Li em algum lugar que o físico francês Rémy Lestienne observa que o acaso, por definição “recusa todo recurso a um antecedente, podendo ser ditos casuais, em sentido estrito, apenas os eventos que não são determinados por nenhuma causa”.

Mas sem filosofia, eu ali estava somente para fazer um exame, a análise apresentou o aneurisma e a doença estava instalada e pronto. Quem me conhece pergunta por que mexo e procuro. A partir daí o acaso foi criando uma rede, um terço, um masbaha, uma corrente. Era para fazer a cirurgia, acompanhar ou deixar para lá? que se exploda. Não tive reação negativa. Nenhum abalo emocional e decidi fazer a cirurgia depois que ouvi vários especialistas e agradeço aos doutores Douglas Travassos, ao doutor Cícero Anderson, notadamente ao doutor Paulo Niemeyer, absolutamente o mestre que dirige o Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemayer (batismo da instituição foi em homenagem ao seu pai) no Rio de Janeiro.

Voltando ao passado para a questão do acaso. Certa feita pelos idos do início dos anos 2000 eu seguia na estrada dirigindo para as praias do Nordeste com minha mulher Inara Niederauer, e mudando de estação de rádio parei na Metrópole, ainda não era do seu quadro de comentaristas e fiquei ouvindo aquele que hoje é dos meu melhores amigos e colega de rádio, o líder espiritual e filósofo José Medrado. Já o tinha ouvido outras vezes, realmente não o conhecia e do nada, lembrando que não tenho no que acreditar, não tenho dogmas para defender, nem posições ou religião, disse a ela que se um dia eu tivesse algum problema e precisasse de uma palavra amiga eu iria procurar o Medrado. Ela deu risada e disse que duvidava. Quando ela morreu de câncer, isso faz uns oito anos, estive perto de entrar em depressão, estava curtindo uma tal de síndrome do pânico, e no meio do trânsito, angustiado, lembrei de Medrado de quem já era amigo, parei o carro e liguei pra ele como eu disse que um dia faria. Foi um acerto. Me tirou da letargia misturada, como se diz popularmente, com “meu sistema, nervoso”.

E foi por acaso que estando para fazer a cirurgia do aneurisma me veio à cabeça o nome do doutor Paulo Niemayer, que certa feita ouvi dizerem que era uma sumidade em neurocirurgia, que atendia a famosos, ricos e importantes pessoas e eu mero mortal tive vontade de tentar uma brecha qualquer em sua agenda para uma consulta. Pelo Google descobri o fone da sua equipe e entrei em contato sem esperar resultado. Para minha surpresa ela veio a me atender dias depois e foi amor à primeira vista. Um profissional com tanto galardão que tinha admiração de tanta gente grande, inclusive é escritor consagrado e membro da Academia Brasileira de Letras se mostrou atencioso, interessado, educado, simpático e empático. Tinha avaliado meus exames e indicou a cirurgia. Claro que eu não tenho recursos para pagar uma equipe de neurocirurgiões de tal envergadura. Mas ele me chamou para o Rio de Janeiro e em menos de um mês desde a consulta já estava sem o aneurisma. O Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemayer é uma referência. Um orgulho para rede de atendimento do SUS. Um outro tipo de SUS que todos desejamos para todos. Como agradecer ao Dr. Paulo Niemayer e sua generosa, competente e excepcional equipe da hemodinâmica da instituição: Dr. Fausto Braga – que simpatia; Dr. Elias Tanus – que controle – Dr. Plínio Gabriel, sutil, charmoso, a enfermeira e psicanalista Mônica Durães e às dezenas de pessoas que me cercaram de atenção e carinho. Agora no lugar do aneurisma tenho um pendrive para arquivar memória que também está em nuvem e uma ajuda da Inteligência Artificial. Upgrade da zorra. Ninguém me segura, nem nada.

Minha filosofia é quem procura, acha e tem chance de cura. E sempre, por acaso, acerto na mão. E em boas e generosas mãos.

*Jolivaldo Freitas

Romancista e jornalista. Autor do romance “A Peleja dos Zuavos Baianos Contra Dom Pedro, os Gaúchos e o Satanás”, do “Histórias da Bahia” – Jeito Baiano” e outras obras.

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