Sentiu um arrepio no coração. Teria voltado aquele dia?
Olhou em volta mais uma vez e não viu seu pai. Na televisão o noticiário, em edição extraordinária falava de um assalto a banco com reféns. Não acreditou. Voltara ao Natal que o fizera esquecer o próprio Natal.
Sua mãe, sua irmã e tia correram da cozinha para a sala e se postaram diante da tv e atentas observavam o que o repórter falava. Um assalto ao banco de sua cidade, com reféns. Policiais cercavam o local. Repórteres e população se aglomeravam atrás de uns cavaletes de contenção, todos querendo a melhor posição, a melhor visão.
Seu coração pulava apavorado. Aquele era o dia. A polícia invade o lugar. Tiros para todos os lados. Reféns e bandidos misturados. Vitimas seriam confundidas, fossem reféns, fossem bandidos.
Sua mãe no sofá apertava contra o peito o pano de prato, esmagando-o. Sua tia torcia e retorcia as mãos. Sua irmã chorava baixinho. Por quê? Seu pai tinha ido aquele banco sacar o dinheiro para completar a ceia de natal.
Como uma lufada de vento, a imagem muda para sua mãe e tia desoladas e chorando copiosamente sobre o sofá, sua irmã mantinha o olhar fixo no distante infinito, a casa repentinamente se enchera de pessoas estranhas e conhecidas. Se procurou em volta e foi se encontrar consigo em seu quarto, debaixo da cama, olhos vermelhos, dentes trincados, raiva e medo tudo estampado no mesmo semblante.
Revela-se assim o motivo pelo qual ele passara a odiar o natal, perdera a fé, não tinha o que comemorar. O pai amado há via sido roubado dele nas vésperas da festa. Não sabia e nem queria saber de quem era a culpa. Policia ou bandido, tanto fazia, não lhe trariam de volta aquele a quem idolatrava.
Perdera a fé na festa, na festividade, nos motivos, naquilo que deveria ser um grande acontecimento em família. Família, bela expressão, sem sentido.
Mas porque seus sonhos o trouxeram de volta aquele dia? Por que ele teve que reviver aqueles momentos de tanta dor e sofrimento? Qual o significado de tudo aquilo?
Voltou a sala, o ambiente era outro, um ano se passara, natal do ano seguinte. Sua mãe, sentada em uma poltrona, cosia um pano branco, sem sentido. Sua irmã deitada no quarto a olhar para o teto. E ele? Foi ate o quarto novamente e não se viu.
Sua tia entra pela porta com algumas sacolas de compras, quase as mesmas coisas do natal passado, frango, produtos para a farofa. O olhar de sua mãe acompanha a irmã ate a cozinha, sem dizer uma única palavra. Tristeza.
Neste instante ele sente o peso de uma mão sobre seu ombro esquerdo. Espera, estou em um sonho, como posso sentir isso. Vira-se e depara com seu pai lhe olhando e lhe sorrindo. Frio, emoção, dor, tristeza, alegria.
Não, não é verdade, isso não esta acontecendo. Como pode?
Continua…