Não há nada além de soja, milho e algodão na divisa entre Bahia e Tocantins, uma chapada onde lavouras se espalham até o horizonte. À exceção de algumas dezenas de ruas de terra, com casas, restaurantes, igrejas e um parque de vaquejada, que formam a vila Panambi.
Cercada pela poeira, a localidade é mais uma a surgir em meio a fazendas na fronteira agrícola brasileira.
Motor da recuperação econômica brasileira, o agronegócio também tem impulsionado a ocupação do interior do país. Municípios com maior produção agrícola estão entre os que mais crescem no Brasil “”acentuando a tênue fronteira entre o urbano e o rural, com cidades cada vez mais ligadas ao campo ou pequenas comunidades que brotam em meio a lavouras.
A vila Panambi, com pouco mais de 300 pessoas, tem mercado, panificadora, dois restaurantes e até um “posto” “”uma bomba prosaica usada em casos de necessidade. Lá, quase não há quem não trabalhe na lavoura.
Fundada por gaúchos que foram à região nos anos 1990, a vila abriga peões e gerentes de fazendas próximas, além dos próprios fazendeiros.
“A Bahia é uma mãe”, diz, com carregado sotaque alemão e chimarrão numa das mãos, Anildo Winter, 67. “Não troco esse lugar por nada.”
A sede da fazenda desse autodenominado “baiúcho” fica dentro da pacata vila, para onde se mudou há 21 anos. Junto com outros conterrâneos, comprou terras na região, ainda inexplorada. Abriram picadas e lavouras de soja.
Alguns produtores afirmam que tiveram que pagar duas vezes pela mesma propriedade, a grileiros que diziam ser donos do mesmo pedaço de chão. “Pagava porque era barato”, diz Winter.
Hoje, os filhos o ajudam a administrar a propriedade, que tem 12 funcionários registrados, com direito a casas na vila. Além do salário, recebem comissão, a depender da produtividade da lavoura.
O isolamento, aliado à prosperidade dos moradores, acentua a autonomia de Panambi, que está a 100 km da cidade mais próxima “”e por estrada de chão. O sistema de água encanada foi construído pelos próprios moradores, bem como a escola, o ginásio com pista de bolão e duas igrejas (uma luterana, outra católica). Uma associação cuida da coleta do lixo e conserta as estradas.
Apesar de encravada na Bahia, a comunidade é assistida pelo Tocantins, que envia patrulhas da PM, mantém o posto de saúde e incluiu a escola na sua rede pública.
A estrutura da vila tem atraído famílias ribeirinhas, que começam a construir casas às margens das poucas quadras do local.
“Lá no rio não tem colégio, não tem professor, não tem governo”, diz o tratorista Pompílio Santos Moreira, 43.
Nascido à beira do rio Sapão, ele se mudou para Panambi há pouco mais de um mês, com o filho de 16 anos. O adolescente estudava numa escola próxima ao rio –mas que fechou em 2014. Mudaram-se para uma casa sem reboco, atrás de estudo.
“A permanência das famílias na vila depende da escola. Senão, viraria uma colônia de férias”, diz Kerlin Zancanella, coordenadora da Escola Comunitária Chapadão.
Moradores reconhecem o crescimento do local, ainda que pequeno, mas colocam em dúvida até quando ele vai.
“Não vai crescer muito porque os grandes engoliram os pequenos”, diz Cristina Rutz Almeida, filha de um dos pioneiros e funcionária da armazenadora de grãos da vila. Ela viu muitos proprietários irem embora e venderem as terras a produtores maiores, que viraram maioria.
“Dá uma dorzinha no coração. Mas sai um, entra outro. As casinhas estão sempre saindo”, diz o catarinense Roberto Olescowicz, que planeja se mudar para o Tocantins para criar gado e porcos.
EMANCIPAÇÃO
A poucas horas dali, nascida tal como Panambi, Luís Eduardo Magalhães (BA) passou de vila à cidade que mais cresce no Brasil em meio à expansão agropecuária do oeste baiano. Sua população saltou de pouco mais de 15 mil pessoas, em 2001, para 85 mil “”um incremento de 335%.
“É um novo rural, inserido na economia de mercado, das commodities”, afirma Adma de Figueiredo, gerente de visões de território do IBGE.
Outras vilas ainda estão a meio caminho, como Roda Velha, distrito de São Desidério (BA) e dono de um dos maiores PIBs agropecuários do Brasil. Seus 12 mil habitantes, a maioria sulistas, reivindicam a emancipação.
Até hoje, novos moradores se mudam todo mês para a localidade, atrás de emprego nas fazendas da região. Ao contrário de Panambi, Roda Velha não sofre com o isolamento: está encravada na BR-020, que leva a Brasília, rodeada por esmagadoras de soja, algodoeiras e armazéns de multinacionais.
Fonte: Folha de São Paulo