O candidato a presidente pelo PSL, Jair Bolsonaro, deu uma declaração em sua entrevista ao Jornal Nacional na 3ª feira (28.ago.2018) que causou controvérsia nas redes sociais: “Podem ter certeza, vocês [apresentadores do Jornal Nacional e a própria TV Globo] vivem em grande parte de recursos da União. São bilhões em recursos da propaganda oficial do governo”.
Ontem (29.ago.2018), o apresentador e editor-chefe do Jornal Nacional, William Bonner, leu uma nota oficial na qual afirma que a declaração de Bolsonaro foi uma “afirmação absolutamente falsa”. Eis a íntegra do que disse a TV Globo:
“O candidato Jair Bolsonaro, do PSL, afirmou que a TV Globo recebe bilhões de recursos da propaganda oficial do governo. É uma afirmação absolutamente falsa. A propaganda oficial do governo federal e de suas empresas estatais corresponde a menos de 4% das receitas publicitárias e nem remotamente chega à casa do bilhão. Os anunciantes, privados ou públicos, reconhecem na TV Globo uma programação de qualidade, prestigiada por enorme audiência e, por isso, se valem dela para levar ao público mensagens sobre seus produtos e serviços. Fazemos esse esclarecimento por apreço à verdade, ao nosso público e a nossos anunciantes”.
Quem está correto nessa discussão?
Antes, vale a pena verificar os dados de 2000 a 2016, todos oficiais e os últimos disponíveis a respeito de publicidade estatal federal. Para resumir, o Grupo Globo recebeu R$ 10,2 bilhões da União nesse período.
Essas informações foram publicadas no Poder360 há pouco mais de 1 ano, em 5 de julho de 2017, numa reportagem com apuração de Mateus Netzel. Eis os valores recebidos pelas empresas do Grupo Globo. A soma dos totais das 4 colunas resulta em R$ 10,2 bilhões:
Quando se consideram os bilhões de reais que o Grupo Globo recebeu de publicidade estatal federal nas últimas duas décadas, Jair Bolsonaro não errou na sua declaração de 3ª feira (28.ago.2018) ao Jornal Nacional. Foram bilhões de reais, como podem atestar dados oficiais sobre esse tema e detalhados nas tabelas acima.
Na sua nota oficial, entretanto, a emissora rebate o dado aludindo possivelmente ao faturamento anual da empresa. Pelo conteúdo da nota oficial lida por William Bonner, depreende-se que a TV Globo nega receber anualmente “bilhões” de reais de publicidade estatal federal –o que também é verdade.
Conforme publicou o jornalista Daniel Castro, especializado na indústria de mídia, a “TV Globo fechou 2016 com um faturamento de R$ 10,248 bilhões com publicidade e serviços”. Em 2016, a publicidade estatal federal na emissora foi de R$ 323,8 milhões (essa cifra é oficial e foi compilada pelo IAP, o Instituto de Acompanhamento da Publicidade).
Ocorre que a frase de Bolsonaro não foi sobre receita de publicidade estatal em 1 determinado período. Ele disse apenas que a emissora recebe “bilhões em recursos da propaganda oficial do governo”, de maneira genérica –sem especificar o período. Essa informação de Bolsonaro também está certa.
Infelizmente, os dados disponíveis sobre gastos publicitários estatais federais hoje estão cobertos de segredo. O governo do presidente Michel Temer encerrou a transparência que existiu de 1999 a 2016. De 2017 em diante, sob Temer, o Palácio do Planalto mandou extinguir a compilação dessas informações.
Por essa razão, não há como saber de maneira detalhada quanto o Grupo Globo ou qualquer outra empresa de mídia recebeu de publicidade federal de 2017 para cá. Seria necessário ler todos os Diários Oficiais e vasculhar em todos os balanços de mais de 100 empresas estatais para entender o que foi gasto –ainda assim, o resultado desse trabalho seria impreciso. Os critérios de cada órgão para divulgar tais informações não são padronizados. Em suma, Michel Temer consegui esconder completamente como é a política de gastos publicitários em seu governo.
Até quando foi possível saber os valores, isso era feito por meio de uma entidade criada em 1999, o IAP (Instituto de Acompanhamento da Publicidade). Por meio de 1 contrato do Planalto com o IAP, todas as agências que prestavam serviços para o governo eram obrigadas a enviar cópias de “pedidos de inserção” para o instituto.
Os pedidos de inserção –ou “PIs”, no jargão do mercado – são os documentos que agências enviam para os veículos de comunicação autorizando a publicação de anúncios e indicando o valor a ser pago. O IAP compilava esses dados e tinha informações precisas sobre o que recebiam de verbas estatais federais todos os jornais, revistas, sites, emissoras de rádio e de TV .
Os dados do IAP eram uma potente ferramenta de “accountability” sobre verbas publicitárias. O custo do IAP por ano era de aproximadamente R$ 1,4 milhão. Por pressão das agências de publicidade (que rateavam o R$ 1,4 milhão por ano) e por concordância do Palácio do Planalto, sob Michel Temer, o IAP foi extinto. Não há mais como saber o que se passa nesse setor.
O Poder360 já indagou algumas vezes ao Palácio do Planalto a razão oficial sobre o fechamento das operações do IAP e sobre se algo será colocado no lugar. Nunca houve resposta.
Em junho de 2017, a Controladoria Geral da União indeferiu de maneira definitiva 1 pedido de acesso a informações. No documento da CGU fica claro que não há no horizonte uma expectativa de algum dia as informações sobre verbas publicitárias voltarem a ser divulgadas com transparência:
“A Secom não dispõe das informações de 2017, pois o IAP encerrou suas atividades no início de 2017, tendo colocado à disposição da Secom, por força de acordo de cooperação-técnica, os arquivos resultantes doprocessamentos dos PI até dezembro/16. No momento, ainda não há definição da Secom para a substituição do serviço empreendido pelo IAP”.
PODER360 E TRANSPARÊNCIA
Os Princípios Editoriais do Poder360 incluem a obrigação de “cobrar responsabilidade e transparência, com firmeza, dos poderes instituídos nas esferas pública e privada“. Por essa razão, os dados brutos que são obtidos ficam à disposição dos leitores, de maneira aberta. Para ter acesso a todos os dados usados nas reportagens sobre publicidade estatal federal, visite este link.