Com provas marcadas para os próximos dois domingos, e com cerca de 5,5 milhões de estudantes inscritos, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) está completando 20 anos de existência e exerce, hoje, uma função bastante diferente daquela para a qual foi criado, em 1998. Ao longo desse período, ele já teve a participação de 100 milhões de alunos.
O Enem – que teve 115,6 mil inscritos em sua primeira edição – foi concebido no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso para ser o principal instrumento de avaliação do desempenho dos estudantes ao fim do ensino médio. Por causa do excesso de disciplinas, do anacronismo dos currículos, da defasagem dos laboratórios e bibliotecas das escolas e dos altíssimos índices de evasão e de reprovação, esse ciclo escolar era – e continua sendo – o mais problemático do sistema educacional brasileiro. Na época de sua implantação, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Enem foi considerado por especialistas na área como uma das mais importantes políticas já adotadas pelo País na área de ensino.
Uma década depois, com a criação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), durante o governo do presidente Lula, sob a justificativa de tornar o acesso ao ensino superior mais democrático, as provas do Enem foram convertidas numa espécie de vestibular para as universidades federais e para várias universidades privadas, tornando-se assim um dos maiores processos seletivos do mundo. Atualmente, o Enem fica atrás apenas do Gaokao, o vestibular unificado da China, que tem, em média, cerca de 9 milhões de inscritos por ano.
Com o tempo, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as duas instituições brasileiras de ensino superior mais bem classificadas nos rankings internacionais de avaliação de qualidade de ensino, também passaram a usar a nota do Enem como um dos critérios de ingresso em seus cursos de graduação. E hoje, até universidades latino-americanas e portuguesas fazem o mesmo. Além disso, as notas do Enem são usadas na seleção de bolsas do Fies e do ProUni. É por isso que os críticos do formato atual do Enem alegam que, servindo de padrão de qualidade para o ensino médio, funcionando como vestibular e critério para concessão de bolsas, o exame não exerce bem nenhum desses papéis.
Até 2009, quando o Enem ainda era um instrumento de avaliação de desempenho, as provas eram, basicamente, de conhecimentos gerais. Com sua conversão num vestibular unificado, por pressão dos reitores as provas passaram a exigir mais conteúdo, especialmente conhecimentos detalhados de linguagens, ciências da natureza, ciências humanas, matemática e redação, além de avaliar outras habilidades dos estudantes. “O problema é que, a cada pedido das faculdades e das universidades, a matriz curricular – que estabelece os conteúdos cobrados nas provas – foi virando uma colcha de retalhos”, afirma a socióloga Maria Helena Guimarães Castro, que presidia o Inep na época da criação do Enem. É por isso que o Ministério da Educação vem discutindo a adoção de uma nova matriz curricular. “Não podemos só pensar nos conteúdos tradicionais e como avaliá-los. Também temos de associá-los a outras competências adquiridas pelos alunos”, diz a presidente do Inep, Maria Inês Fini.
Além dos debates sobre a nova matriz, os especialistas em ensino médio discutem formas menos custosas de aplicação do Enem. Em 2017, o exame envolveu 600 mil pessoas na elaboração, distribuição, aplicação e correção das provas, a um custo total de R$ 505,5 milhões, dos quais só 25% foram cobertos pelo valor da taxa de inscrição. Para reduzir gastos e simplificar a logística, os especialistas sugerem que ele passe a ser feito online, como nos Estados Unidos. E lembram, com razão, que como a transição para uma prova totalmente informatizada demanda tempo, a alteração deve ser uma das prioridades do próximo ministro da Educação.
*Opinião Estadão