Cena 1: Um povoado perdido ao Deus-dará, no cueiro de Judas, onde nem vento faz a curva, na Bahia, sertão do Brasil, chuva nunca; o vento levanta a poeira, o mormaço colante do meio-dia onde nem mutuca tem força para picar. Uma idosa misturada de índio, africano e europeu se benze e manda que os meninos fiquem quietos que é hora da passagem do demônio. Nem o Bem-te-vi se arrisca. Redemoinho de saibro seco.
Cena 2: Um menino bonito, mestiço com cara de tupinambá, sempre desviando da escola. Menino gente boa que as costuma frequentar as casas ralas do povoado. Apronta algumas situações, não tão graves, não mostra sua índole. Retraído. Meio calado. Menino no mato, conhece as cobras só pelo chiar, a caça de pacas e avoantes, o esconde-esconde de buraco e nas favas, as ervas e o caminho dos calhaus. As locas.
Cena 3: O adolescente é arrojado, mas mostrando boa índole, frequenta as casas, almoça em várias, presta pequenos serviços de limpeza de pasto; serviço doméstico. Esqueceu de vez a sala de aula da escola de portas carcomidas, telha-vã e lousa descascada usada pela professora cansada e estafada de tanto calor. Vez em quando, só vez em quando uma brisa carregada de sol passa pelas janelas e vãos. Noite morada de morcegos perseguidos pelos caburés.
Cena 4: Rapaz aguerrido, com queixa na polícia, várias agressões. O garoto crescera e se tornara uma alma violenta, um estupor do cabrunco, um sem-nome, o Cão. Tenta estuprar uma das suas conhecidas. Grito. Chega vizinho, amigo desde que era menino, mais velho e pergunta: – O que está acontecendo?
Leva um tiro e cai. A mulher aparece para socorro e não acredita que o menino Lázaro, que tanto frequentava sua mesa, a casa pobre da família, dividindo o pão e o feijão, acabava de matar seu marido.
Cena 5: Lázaro corre pela caatinga. Mata rala. Capão. O povo atrás o perde vista. A polícia chega tempos depois e vasculha por horas e não o encontra. A polícia o prende. Prendeu por que ele se entrega de tanto cansaço de estar escondido na jaqueira, única árvore de fronde da região.
Cena 6 (com vários takes superpostos): O rapaz é preso, solto, juiz, solto, preso, foge de novo, cadeias improvisadas, e passa a cometer vários crimes.
(Passagem de tempo)
Cena 7: Jovem no Distrito Federal, companheira, volta a cometer outros crimes. Denunciado foge pelo cerrado, de mata rala, espinhenta, piolhos de cobra, suçuarana. Invade casas, sítios, fazendas. Começa a perseguição policial, civil, federal, nacional, governador, deputada, a ermas pesadas, cães, helicópteros, drones, muitos drones, soldados, muitos soldados, cavalos, camionetes, barreiras.
Cena 8: Moradores de toda a região goianeira em pânico. Saem de casa, das propriedades rurais. O homem aterroriza até a polícia. Nas propriedades recolhe comida, armas, celulares, some no mato como um tatu, uma taturana, uma lacraia. Troca tiros com a polícia, atinge um policial. Polícia recua. Reserva. Medo. Estratégia. Chega mais reforços e já são quase trezentos na caçada que já passa de duas semanas. Drone não acha. Cão não fareja. Sabe que é melhor andar pelos córregos ralos, pedregulhos, pedras de ponta, pedras lisas, limo. Região de grutas e grotões.
Cena 9: Milhares de informações dão conta que o homem, Lázaro, tido e havido como filho do Capiroto estava em dois, cinco, dez lugares ao mesmo tempo. A policia desnorteada. Os repórteres perdidos nas informações, longos plantões, fakes, cansaço e todos já pedem a cabeça do cangaceiro do Cerrado.
(Cena final Lázaro sendo carregado como carne em mãos de magarefes, todo perfurado, as meninas dos olhos apagadas).
O filme se encerará com a subida dos créditos e a canção “Perseguição” em homenagem ao compositor Sérgio Ricardo e ao baiano Glauber Rocha que idealizou o clássico “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Sobe o roller. Sobe som:
“- Se entrega, Corisco!
– Eu não me entrego, não!
Eu não sou passarinho
Pra viver lá na prisão
– Se entrega, Corisco!
– Eu não me entrego, não!
Não me entrego ao tenente
Não me entrego ao capitão
Eu me entrego só na morte
De parabelo na mão
– Se entrega, Corisco!
– Eu não me entrego, não!
Se entrega Corisco!”
*Jolivaldo Freitas
Escritor e jornalista