Foto//Reprodução

É final de madrugada. O céu ainda não está iluminado pelo sol e o ar frio entra pela janela entreaberta avisando que já é hora de se levantar.

Ao sair do quarto, ainda no corredor, ouve a voz da criança:

– Papai, por que ela esquece tudo?

– Quem?

– Ela titio. Não se lembra de nada. Não sabe quem é.

– É muito cedo, você estava sonhando, volte para a cama.

– Será? Mas ela esquece tudo. Pode apagar a luz titio?

A profunda angústia no olhar diz muito mais que as palavras.

Com o quarto escuro, encosta a porta e a deixa sozinha, pensativa, buscando a resposta a uma pergunta já esquecida.

A menina que esquece tudo já dorme restando, na solidão deste momento, apenas os seus pensamentos desconexos. Esfrega as mãos e de retorno à realidade percebe que aquelas rugas não podem pertencer as mãos de uma criança e sim as dela, uma anciã com mais de oitenta anos de idade.

Afinal, quem sou eu?

Esta pergunta se repete aos milhões nas famílias que tem alguém portador do mal de Alzheimer. Certamente são narrativas diferentes, mas com a mesma angústia que traspassa o espírito e a consciência de quem vive a tortura de nem sempre se reconhecer no espelho.

O que fazer?

Infelizmente ainda não há muito o que possa ser feito. Além dos cuidados médicos e medicamentosos, apenas a dedicação de muita atenção, carinho e paciência. Amor.

Aos que convivem diariamente a dádiva de poder devolver um pouco de tudo que lhe foi concedido desde sua geração e aprender com o apagar da lucidez que a vida é feita de momentos, bons e maus, todos essenciais ao que chamamos vida.

Aos distantes a certeza da saudade de quem vive neste turbilhão e do sorriso estampado ao ouvir a voz ao telefone e sorrir durante o resto do dia dizendo:

– Ele me ligou!

– Quem?

– Não me lembro. Mas foi muito bom. Está tudo bem por lá!

– Lá aonde?

– Não sei mais, lá longe, muito longe.

-…

– Ele me ligou…

Até a próxima!

“No Brasil o mal de Alzheimer atinge a cerca de dois milhões de pessoas anualmente. Não existe cura, mas os medicamentos e as estratégias de controle podem melhorar os sintomas temporariamente. As conexões das células cerebrais e as próprias células se degeneram e morrem, eventualmente destruindo a memória e outras funções mentais importantes. Perda de memória e confusão são os principais sintomas”.

*Maurício Fernandes

Quer mais notícias, clique aqui: www.maisoeste.com.br

Comentário desabilitado.