A Operação Carne Fraca da Polícia Federal, deflagrada na última sexta-feira (17), divulgou que frigoríficos brasileiros “maquiavam” carnes vencidas com ácido ascórbico e ácido sórbico para que os alimentos parecessem saudáveis. A Polícia disse que esses químicos são cancerígenos e poderiam prejudicar a saúde da população. Mas o que diabo esses ácidos realmente fazem?

Embora os químicos fossem utilizados de maneira irregular para modificar a aparência dos produtos, eles não são tão perigosos como alarmou a PF. De acordo com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), as substâncias não são cancerígenas e constam na lista de aditivos alimentares aprovados.

Além disso, o material colhido pelas autoridades não é tão conclusivo quanto se propagou nos últimos dias. Essas substâncias foram citadas por funcionários dos frigoríficos em escutas gravadas. Nos documentos já publicados pela polícia, a operação realizou dois testes laboratoriais nas empresas investigadas, portanto, detalhes como a concentração exata das substâncias não foram obtidos cientificamente. Há, no entanto, boa parte da operação ainda em sigilo.

Ácido ascórbico
O ácido ascórbico é mais conhecido como vitamina C e, pelas regras da Anvisa, pode ser usado em “quantidade suficiente para obter o efeito”. O efeito é conservar a carne, porém pode ser usado para deixar a carne com a cor vermelha por mais tempo, sempre nos processados. Consultado pelo UOL, o professor de microbiologia de alimentos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul disse que “o ácido ascórbico pode devolver a cor vermelha da carne. Ela volta a parecer saudável para o consumo e engana quem for comer”. O professor diz ainda que a carne in natura não pode ter nenhum aditivo.

A vitamina não oferece risco com a ingestão diária recomendada de 40 mg. Acima dessa quantidade, é possível que homens desenvolvam cálculos renais, conforme mostrou uma pesquisa publicada no periódico JAMA Internal Medicine. A substância não está relacionada de nenhuma maneira com o surgimento de câncer.

Ácido sórbico
O ácido sórbico é um composto orgânico que, na lista da Anvisa, aparece na categoria de conservante, podendo ser usado na dosagem de 0,02 g por 100 g de carne. O que lhe confere o atributo de conservante é sua propriedade antimicrobiana, útil em alimentos como margarinas, cremes, sucos de frutas, doces, enlatados em geral, pães, embutidos e carnes, preservando, neste último, a cor vermelha. O ácido sórbico é também utilizado nas indústrias farmacêutica (medicamentos, especialmente antifúngicos, cosméticos e cremes dentais) e química (na produção de látex, tabaco, papel, rações animais e fungicidas agrícolas).

O ácido sórbico é um forte inibidor de mofo, leveduras e bolor, mas não tão eficaz em inibir bactérias. Segundo o UOL, pode causar alergia, mas as chances são baixas. Em depoimento ao portal, o nefrologista Istênio José Pascoal negou relação entre a substância e problemas renais: “Não conheço, nem encontrei, qualquer evidência de efeitos adversos renais da ingestão de ácido sórbico”. Também não existem pesquisas que sustentem a relação entre o ácido e pedras nos rins.

Na única escuta divulgada pela PF, o ácido sórbico é citado em uma conversa entre sócios do frigorífico Peccin, em que um deles pergunta se poderia usá-lo na produção de linguiça de frango. Consultado pelo Nexo, o professor Sérgio Bertelli Pflanzer Júnior, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, afirma que a substância “evita o crescimento de bactérias em produtos como o salame”, mas que “não faz muito sentido usá-lo em uma linguiça de frango”.

Nos Estados Unidos, para aplicações alimentícias, o ácido sórbico tem a designação de “reconhecido geralmente como seguro”, do FDA, órgão responsável pelo controle dos alimentos no país. “Não há evidência nas informações disponíveis sobre o ácido sórbico (…) que demonstre ou sugira base razoável para suspeitas ou perigo ao público quando usado nos níveis atuais”, conclui o relatório do FDA.

Apesar da gravidade das denúncia da Polícia Federal, os termos utilizados para tratar sobre os ácidos aparentemente tomaram proporções maiores do que de fato têm.  A engenheira de alimentos Carmen Castillo alertou para o perigo de se demonizar substâncias necessárias para o processamento dos alimentos, enquanto Pedro Eduardo de Felício, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, criticou o tratamento da PF na divulgação das informações: “A polícia agiu mal com a maneira como divulgaram tudo. Acho que houve um certo exagero, para precipitar a loucura que foi na imprensa”.

Reportagem: Leonardo Escudeiro

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