Esses tempos de quarentena e isolamento social têm proporcionado algumas reflexões interessantes e curiosas. Certo dia um amigo me confidenciou através de rede social: “não achei que fosse viver o suficiente para presenciar uma situação como essa que estamos vivendo”. Referindo-se à amplitude das transformações que estão acontecendo no mundo e nas pessoas em razão da pandemia do coronavirus.
A astronauta americana Jéssica Meir, após sete meses na estação espacial internacional, retornará à terra no início da segunda quinzena do mês de abril de 2020. Imaginem a reação dela ao desembarcar em um planeta muito diferente daquele que deixou há quase sete meses.
É indiscutível que estamos atravessando um momento histórico, catalisador de grandes transformações no cotidiano e na forma de pensar das pessoas, como demonstram os impactos causados pela pandemia em grandes eventos internacionais. Um exemplo de peso foi o adiamento dos jogos Olímpicos de Tóquio para o próximo ano. Essa é a primeira vez, na era moderna, que os jogos olímpicos são adiados. Eles foram cancelados apenas em três ocasiões: 1916, 1940 e 1944, em virtude da primeira e segunda guerra mundial.
A vida é cíclica, sempre existiram e sempre irão existir crises na história da humanidade. Em 2008/2009 tivemos a crise decorrente da bolha imobiliária que abalou a economia mundial. Em 2000 tivemos a “crise das pontocom”, decorrente de uma supervalorização das empresas de tecnologia. Na década de 80 tivemos a crise do petróleo resultado da guerra entre Irã e Iraque. Apenas para citar algumas crises recentes. A pergunta que se faz é: quando será a próxima ?
A maior de todas as crises econômicas do século 20, conhecida como a Grande Depressão, foi desencandeada no dia 29 de outubro de 1929, há quase um século, com a quebra da bolsa de valores de New York, fato que pessoas de minha geração estudaram nos livros de história. Teve reflexos gigantescos na economia mundial, sobretudo na economia do Brasil, à época muito dependente da exportação de um único produto, o café e ainda provocou uma ruptura no sistema político brasileiro, dominado por São Paulo e Minas Gerais, mudando o foco do poder.
Entretanto, essa nova crise provocada pela pandemia do COVID-19 possui outras nuances. A preocupação das pessoas com a própria saúde está desligando a economia mundial. Outra questão extremamente impactante é a imposição de diversas restrições à liberdade de ir e vir. Apenas em situações extremas, como em guerras de grandes proporções, o fluxo de pessoas é impedido pelas autoridades, como estamos vendo acontecer agora, com países fechando fronteiras e estados criando restrições ao transporte interestadual e intermunicipal.
Os efeitos que essas restrições vão causar na economia do planeta, do país e até na economia de nosso município, nesse momento, não há como mensurar. A única certeza que temos é que grandes mudanças estão por vir. A Organização Internacional do Trabalho – OIT estima que, em virtude do distanciamento social que esta paralisando a economia, aproximadamente, 195 milhões de postos de trabalho irão desaparecer no mundo. O que farão esses pais e mães de família para alimentar seus filhos ?
Da mesma forma, estima-se que o Brasil tem, aproximadamente, 46 milhões de pessoas exercendo atividades informais. São os chamados ambulantes, pessoas que todos os dias saem de casa com o objetivo de ganhar dinheiro para custear suas necessidades básicas de sobrevivência. O que esses ambulantes vão fazer se não existe fluxo de pessoas nas ruas ? seus potenciais clientes estão confinados em suas casas.
Os grandes líderes mundiais (e até locais) estão em uma grande encruzilhada. Confinar a população para evitar a disseminação descontrolada do coronavirus e, assim, preservar o maior número de vidas possíveis, provocando um colapso sem precedentes na economia do planeta, ou flexibilizar o confinamento para salvar a economia e serem responsabilizados pela morte de milhares de pessoas, provocadas pelo COVID-19. O que seria pior ? não sabemos. Ressaltando que a Organização Mundial da Saúde – OMS estima que uma pessoa morre de fome no mundo a cada quatro segundos.
São os paradoxos da atual crise que nos assola. Entretanto, uma questão é certa, ao final de todo esse pandemônio, assim como o planeta, estaremos totalmente transformados, seja em questões pessoais, de visão de mundo, hábitos cotidianos, relações familiares, etc. Como disse o CEO da Kraft Heinz, o português Miguel Patrício, “não subestime uma crise, é o momento em que as pessoas estão mais propensas a mudanças”.
O fato é que não temos como dimensionar os efeitos do impacto transformador resultante do momento que estamos vivendo nem como aferir a amplitude das mudanças que virão. Nem as pessoas nem o mundo sairão dessa crise da mesma forma que entraram.
Então o que nos resta nesse momento de distanciamento social é utilizar o tempo da melhor maneira possível. Vamos repensar nossos valores, indagar sobre o que realmente importa, estreitar nossos laços familiares e de amizade, ainda que utilizando a internet como ponte. Se reinvente, se qualifique, torne-se uma pessoa e um profissional melhor, enfim, não desperdice seu tempo, se prepare para a próxima crise, certamente ela virá. Como disse Napoleão Bonaparte “tempo é o único bem totalmente irrecuperável”.
*Fabrício Melo dos Santos
Fabrício Melo dos Santos
Servidor da Justiça Federal em Barreiras
Formado em Direito e com pós graduação em Direito Processual Civil